Núbia Paiva
O que é possível? O que dá para fazer neste contexto? Temos visto brotar das infinitas lives ideias e projeções pedagógicas dessa escola que paira sobre as casas, uma escola suspensa no ar, e neste cenário, processos de criação fecundos e poderosos, que abre amanhãs, escava brechas de sentido sob a insípida presença física imediata. Um possível ainda virtual, mas “o possível é exatamente como o real, só lhe falta a existência” (Levy, p. 05).
“O áudio está ruim”; “ficou sem a imagem”; “caiu aqui, caiu para vocês também?”; “vocês me ouvem?”.
Frases repetidas no meio de uma história sendo narrada para crianças de 08 anos, diante da tela de um computador. Minha primeira experiência como professora contadora de histórias na pandemia. Benjamin (1994, p 197) diz que “por mais familiar que seja seu nome, o narrador não está de fato presente entre nós, em sua atualidade viva. Ele é algo de distante, e que se distancia ainda mais”, e vistos de certa distância, os longos traços que caracterizam sua atividade performática se destacam em seu corpo, formam imagens no ar, compõem o conjunto de ritmos e intenções da narrativa.
A contadora de histórias limitando sua performance ao quadrado da tela do computador, ali na frente da tela, acompanhando a imagem para verificar se estava boa. Além de me olhar num espelho, sendo coordenada por minha própria imagem, os fones me fizeram ventríloqua controlada pelas orelhas, com os movimentos captadas pelo quadrado. Era como se eu estivesse contando histórias dentro de uma caixa, o corpo e meus movimentos precisavam se encaixar naquele limite. Resolvi contar a história para mim mesma. Decidi me emocionar com a história, decidi me divertir, e contei como contaria para um pátio de crianças numa escola física, palpável, visível, com paredes, portas, e vozes sussurrando no meio da narrativa. Sem me preocupar com áudio ou imagem, mas limitada ao quadrado.
É diante desse quadrado que estamos forjando novas maneiras de estar presentes, a estrada de casa para a escola é um link, a chave da porta é a internet. A atualização dessa nova escola ainda é um componente aguado, dilatado, rarefeito, mas muitas atualizações estão semeadas na convergência de cotidianos, e a virtualização se encaixa como hospedeira das nossas próximas realidades.
BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 197-221.
LÉVY, Pierre. O que é o virtual? 2 ed. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Editora 34, 2011.
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